Sistemas de representação

e antecipação de uma realidade

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Resenha histórica

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A esquematização foi quase sempre utilizada para representar o espaço mas a relação com a representação e com a esquematização foi-se alterando ao longo do tempo. Desde as relações simbólicas, cósmicas, até às relações antropomórficas, cada época e cada civilização, representou o espaço de maneiras muito distintas.

O desenho tem sido a linguagem gráfica que se constitui através da representação como meio de desenvolvimento da observação, ideação e racionalização do espaço arquitetónico. Desde a Antiguidade até à nossa época, onde predominam as aplicações informáticas, verifica-se que a aplicação da geometria no desenho projetual serve como instrumento fundamental para ordenar o espaço.

Os sistemas de representação, nas suas diferentes aplicações, bidimensionais e tridimensionais, consolidaram processos e atitudes que têm contribuído para a evolução dos procedimentos geométricos e da representação gráfica, na arte e na arquitetura.

De facto, nem sempre o desenho à mão levantada foi utilizado na arquitetura como linguagem e instrumento de trabalho, quer conceptual, quer operativo. Hoje em dia sabe-se que na Antiguidade Clássica se projetava com o auxílio de maquetas e, que na Idade Média, o desenho assumia um carácter de esquisso mas nunca se lhe atribuía um carácter definitivo. Só a partir do Renascimento o desenho inicia o caminho que se transformará numa metalinguagem da arquitetura.

Da Grécia antiga temos conhecimento dos Elementos da geometria euclidiana (1), da teoria das proporções, da geometria das figuras planas e dos sólidos. Com Vitrúvio (2), no período romano, temos testemunho da sistematização das ordens arquitectónicas e o primado geométrico das medidas e proporções. Antes temos o pensamento matemático de Pitágoras (550 a.C.) que influenciou Vitrúvio, como é evidente no tratado De architectura (fig. 1). A partir do Renascimento reacende-se o interesse pelos conhecimentos da Antiguidade Clássica que se associam ao interesse pelo desenho, fazendo com que apareçam imagens ilustrativas dos conceitos vitruvianos nas novas e sucessivas edições do tratado.


1. in GIUNTA, Sumptibus Philippi de, Vitrvvivs itervm et Frontinvs à Iocvndo revisi repvrgatiqve qvantvm ex collatione licvit, Florença, 1513 (cópia da 1a versão ilustrada de 1511).


Na Idade Média são conhecidos esquemas geométricos utilizados nas plantas e na implantação dos edifícios religiosos, como o método da quadratura, que consistia em inscrever quadrados alinhados dentro de outros quadrados pelo ponto médio do quadrado anterior, tendo sido o processo mais utilizado durante essa época.

Lino Cabezas apresenta, em El dibujo como invención, muitos desses distintos modelos e esquemas geométricos de apoio às plantas usadas na construção arquitectónica.

No “caderno” de apontamentos de Villard de Honnecourt (3), do século XIII, (fig. 2) podemos observar a utilização de construções geométricas aplicados à planta de uma catedral.



2. Prancha XVIII - dois lutadores, planta de uma igreja da Ordem de Cister e abside da Catedral de Notre-Dame de Cambrai. in OMONT, Henri Auguste, Album de Villard de Honnecourt.


O método da quadratura, para além de bastante documentado na Idade Média, chegou a ser utilizado em tratados do Renascimento como demonstra o Tratado de arquitetura civil e militar (1487- 1491) de Francesco di Giorgio Martini (4); do mesmo modo que, anteriormente, Filarete (5) o havia utilizado no seu próprio tratado de arquitetura (1461-1464).

Observamos que, segundo Lino Cabezas, os arquétipos geométricos como o círculo e o quadrado representaram e associaram simbolicamente várias coisas — o céu, a totalidade, a terra material, os pontos cardeais, etc.; no entanto, a ideia que se encontra subjacente às diferentes soluções é a de racionalizar (consciente ou inconsciente) e representar graficamente no plano as dimensões do espaço real e do espaço psicológico, isto através de diferentes geometrizações e sistemas de representação na procura de organizar o espaço, seja como ordenação racional ou psicológica.

Por exemplo, os mandalas (fig. 3) orientais são um tipo de diagramas geométricos que, como alude Lino Cabezas, exprime ordem e unidade, e que procura a organização recíproca entre exterior e interior. «Todo o edifício que tenha planta de mandala, seja religioso ou secular, é a projeção de uma imagem arquetípica que surge do inconsciente humano para o mundo exterior». De certo modo, podemos equiparar a cidade ideal do Renascimento pela procura de uma organização onde se impõe a ordem e a unidade que, apesar de outro tipo de organização, e com sentido diferente do esquema geométrico do mandala, estabelece uma relação estrutural com o universo, a natureza e as proporções do corpo humano.



3. Mandala Shi Cakra vantra, uma forma de mandala de nove triângulos entrelaçados.
In CABEZAS, Lino, El dibujo como invención, p. 93.


A medida, a simetria e a proporção são conceitos fundamentais herdados das concepções vitruvianas oriundas dos gregos. Como lembra Lino Cabezas, citando Vitrúvio, «nenhum edifício pode estar bem composto sem a simetria e proporção, como é um corpo humano bem formado» (7). Este conceito está fortemente ligado à revitalização das analogias entre a arquitetura e o corpo humano durante o Renascimento e, deste modo, às plantas do edifícios que estão associadas a relações proporcionais com o corpo humano.

O exemplo mais amplamente divulgado e, talvez, o mais importante a refletir as concepções vitruvianas, é o conhecido desenho de Leonardo da Vinci (1452-1519) (8) — “As proporções do corpo humano segundo Vitrúvio”, realizado por volta de 1490 (9) —, onde se observa a figura de um corpo humano inscrito simultaneamente num quadrado e num círculo, tomando o umbigo como centro. Este ponto é, ao mesmo tempo, o centro geométrico e o ponto gerador relacionado com o nascimento e a origem.

O interesse manifestado no Renascimento pelo De architectura, de Vitrúvio, demonstra que o saber arquitetónico e a ordenação do espaço se funda por princípios desde há muito estabelecidos. Vitrúvio (10) concebeu um tratado fundado nos conhecimentos gregos; nesse tratado, a arquitetura deveria constar de princípios duradoiros: ordenação (ordinatio – colocar em ordem), disposição (dispositio – apresentação, representação), euritmia (eurytmia – proporção, harmonia), comensurabilidade (symmetria – configuração, sistema de medidas), decoro (decor – conveniência, o que convém, o que fica bem) e, por fim, distribuição (distributio – repartição, divisão). Estes princípios denotavam assim a importância da utilização de sistemas reguladores na ordenação do espaço e a adoção de um pensamento sistematizado para a obtenção dessa mesma organização espacial.

Estes conceitos aparecem de algum modo implícitos quando Vitrúvio recomenda, no capítulo I do livro I, que o arquiteto, para além de conhecer a arte literária e várias ciências, «também deverá ser instruído na ciência do desenho, a fim de que disponha da capacidade de mais facilmente representar a forma que deseja para as suas obras» (11). A posição de Vitrúvio denota a importância do desenho como linguagem própria para o discurso gráfico arquitetónico. Do mesmo modo, adverte para os conhecimentos da geometria que proporcionam muito mais recursos para as representações gráficas. Não deixa de ser curioso que, já na altura, Vitrúvio considere o desenho como uma ciência, ao mesmo tempo que propõe implicitamente uma articulação de sistemas de representação.



4. in GIOCONDO, Fra Giovanni, M. Vitruvius per Jocundum solito castigatior factus cum figuris et tabula..., Venise, G. da Tridentino, 1511.


A posição de Vitrúvio fica mais esclarecida no mesmo capítulo quando, ao definir a Ordenação e a Disposição, estabelece as 3 espécies de Disposição: «São estas as espécies de disposição, que em grego se dizem ideae: iconografia, ortografia, cenografia. A iconografia [figura 4] consiste no uso conjunto e adequado do compasso e da régua, e por ela se fazem os desenhos das formas nos terrenos a construir. A ortografia [figura 5, imagem superior], por seu turno, define-se como o alçado do frontispício e figura pintada à medida e de acordo com a disposição da obra futura. Por fim, a cenografia [figura 5, imagem inferior] é o bosquejo do frontispício com as partes laterais em perspetiva e a correspondência de todas as linhas em relação ao centro do círculo» (12). O autor propõe assim articular diferentes sistemas de representação, estabelecendo um processo de representação e apresentação do projeto, e instituindo um discurso gráfico inerente ao saber arquitetónico.



5. in GIOCONDO, Fra Giovanni, M. Vitruvius per Jocundum solito castigatior factus cum figuris et tabula..., Venise, G. da Tridentino, 1511.


Na realidade, trata-se de um discurso que visa a transmissão inteligível inerente a qualquer processo projetual na esfera das artes e não apenas da arquitetura. Basta pensar na importância da articulação destes sistemas no teatro, por exemplo, na ideação do espaço cénico onde o cenógrafo apresenta as suas ideias.

A primeira edição ilustrada que se conhece do tratado de Vitrúvio data de 1511, pela mão de Fra Giocondo (13). Aqui, surgem simples imagens, como (fig. 4 e 5) — planta, alçado e perspetiva, sem a qualidade gráfica e de representação dos sistemas que se conhece de outros desenhos.

Existem exemplos de excelentes desenhos em perspetiva anteriores que demonstram a qualidade gráfica e o saber das leis perspéticas estabelecidas por Alberti em De Pictura (1435). Como documenta Lino Cabezas, um dos poucos exemplares que se conservou da época é um desenho de 1506 da autoria do artista-arquiteto Baldassare Peruzzi (1481-1536) (14). O desenho revela numa só imagem a articulação entre a planta, a perspetiva e a secção (fig. 6), denotando a preocupação da apresentação inteligível do projeto, passível de ser lida não só pelos especialistas mas, também, por aqueles que não dominam a linguagem gráfica planificada e abstracta.


6. in CABEZAS, Lino, El dibujo como invención, p. 127. 


Em edições posteriores do tratado de Vitrúvio, essa articulação torna- se mais evidente e com melhores representações, como acontece na edição italiana de Cesare Cesariano de 1521 (15) anterior a Palladio. Cesariano, utilizando traçados geométricos modulares baseados no método da quadratura «inaugura uma nova etapa do uso da geometria na arquitetura, como percursor das interpretações proporcionais baseadas em traçados geométricos» (16), do qual, também se conhece a representação do homem vitruviano. Nos quatro livros de arquitetura, de 1570, de Andrea Palladio (1508-1580) (17), apesar das suas excelentes ilustrações (fig. 8), não aparecem representações perspéticas. Numa versão posterior do tratado de Vitrúvio, de 1590 (18), da qual apresentamos um exemplo, tem lugar a articulação da planta com a perspetiva (fig. 7).


7. in architettvra, con centosessanta figure dissegnate dal medesimo, secondo i precetti di Vitruuio, e con chiarezza, e breuità dichiarate, libri dieci, 1590, p. 50. 


8. in Palladio, Andrea, I quattro libri dell'architettura, por D. de Franceschi, 1570. 


Com a época renascentista estes sistemas de representação voltaram a ser tema fundamental, passando a ser teorizados e divulgados, essencialmente, através de novos tratados. As alterações que se fizeram sentir no desenho da arquitetura trouxeram essencialmente modos de representação mais inteligíveis e eficazes, tanto no processo de leitura do projeto como também, quanto na decisão fundamental para a sua própria construção. Contudo, apesar da perspetiva oferecer a possibilidade de ver e pensar as três dimensões, o sistema foi preterido frente aos sistemas ortogonais – plantas e alçados –, que, embora já se utilizassem, ainda não constituíam propriamente uma normalização, por isso, os desenhos serviam apenas como uma orientação e o restante processo era resolvido diretamente na obra.

Leon Battista Alberti (1404-1472) (19) acentuou a importância do registo gráfico através do desenho, uma vez que ele «reflete as ideias que se geram na mente do arquiteto. Os desenhos constituem o único signo observável e transmissível de tais ideias e são, portanto, juntamente com as maquetes, o meio idóneo para a sua realização física» (20). Assim, desde as primeiras teorizações que se concebem acerca do desenho, estabelece-se a importância da linguagem gráfica como registo fundamental na recompilação de dados mas, acima de tudo, como geradora de um processo criativo ordenado.

A tentativa de encontrar soluções racionais com correspondência aos números é evidente em Alberti, quando, inspirado em Vitrúvio, e conforme expõe Lino Cabezas em El dibujo como invención, ele propõe três tipologias de plantas (1:1, 2:3, 3:4 – plantas curtas; 1:2, 4:9, 9:16 – plantas médias; 1:3, 3:8, 2:8, plantas compridas) baseadas em proporções matemáticas e com escalas distintas para cada um dos modelos.

Apesar de não existirem desenhos no tratado de Alberti, o autor considerou que as representações gráficas deveriam consistir principalmente no desenho da planta acompanhada de uma maqueta e, que a perspetiva como representação visual, se destinava mais para as representações artísticas, ou seja, para efeitos de apresentação mais pictórica. Alberti estabelecia desde logo as diferenças entre o desenho do arquiteto e o dos artistas. No entanto, como relembra Domingos Tavares, foi um artista italiano, Raffaello Sanzio de Urbino (1483-1520) (21) que, trinta e poucos anos depois do tratado de Alberti, sugeriu um sistema próximo ao que hoje se utiliza; através da planta, alçado e da secção ou corte; constituindo um verdadeiro sistema para a representação gráfica da arquitetura, com enormes repercussões na evolução da linguagem arquitectónica. Raffaello, responsável pela conservação dos monumentos da antiga Roma, propunha-se então desenhar com rigor o levantamento das ruínas que aí se encontravam.

O sistema de representação abstracto com sinais geométricos codificados como hoje conhecemos foi, basicamente, o que Raffaello desenvolveu no inicio do séc. XVI; a possibilidade de representar e interpretar um projeto combinava-se com a capacidade de o transmitir quase integralmente.

Levando a cabo as ideias de Vitrúvio e de Alberti, Raffaello, coloca como representações básicas três projeções ortogonais: a planta, o alçado e o corte. No entanto, como relembra Jorge Sainz (22), apesar da proposta de Raffaello foi sobretudo com Palladio que ela se desenvolveu grandemente.


9. Jacques-Androuet du Cerceau, 1550.


As propostas de representação gráfica mais significativas que existiram nesta época devem-se, de facto, ao arquiteto italiano Andrea Palladio (1508-1580) (23) mas também ao arquiteto francês Jacques-Androuet du Cerceau (1510-1585) (24). Palladio aplicou a teoria de Raffaello utilizando apenas as projeções ortogonais, enquanto du Cerceau, entendia que se devia usar todos os sistemas de representação disponíveis conforme as necessidades.

Num livro de Jacques-Androuet du Cerceau (25), podem-se observar imagens notáveis de perspetivas e de cortes perspéticos de distintos edifícios (figs. 9 e 10), demonstrando a articulação dos diferentes sistemas em simultâneo.


10. Jacques-Androuet du Cerceau, 1550.


Também ainda no séc. XVI, os sistemas de representação bidimensional utilizados baseavam-se nos três sistemas de projeção geométrica — a projeção ortogonal (ou sistema diédrico), a paralela, (ou axonométrica) e projeção cónica (ou perspetiva) — de um modo intuitivo mas coerente embora sem uma completa codificação.

Para além da pertinência dos tratados e escritos, é de enorme relevância o aparecimento das academias na segunda metade do séc. XVI na procura de teorizar e estabelecer convenções gráficas e conceitos artísticos; como a Accademia di San Luca (1595, em Roma) (26), onde Federico Zuccaro (1543-1609) contribuiu para a teorização e concretização das concepções, não só artísticas, mas também arquitectónicas.

Na academia regida por Zuccaro propuseram-se definições para pintura, escultura e arquitetura, todavia, com um carácter mais poético que científico. De qualquer modo, o desenho permanece com um papel fundamental. «Alberti e Zuccari entendiam-no [o desenho] como um verdadeiro procedimento criativo e de indagação das ideias artísticas que, imediatamente depois de se conceber, se incorpora e congela num determinado ponto do seu processo de desenvolvimento. Portanto, além de instrumento de produção, estamos diante um autêntico meio de indução, gerador de concepções arquitectónicas no sentido mais amplo do termo» (27). Este tipo de procedimento que Sainz menciona, leva-nos a crer que se refere ao desenho à mão livre, dado que para ultrapassar as fronteiras de mero meio instrumental e, como o próprio Zuccaro enuncia através do desenho interno e externo, o desenho deve percorrer o mundo das ideias imediatamente proposto pela tríade mão-olho-mente.

Em L’idea de’Pittori, Scultori ed Architetti (1607) (28), Zuccaro desenvolve a ideia de um disegno interno e esterno (29), a que o autor «concede uma importância crucial (...), ao ser o primeiro signo observável da efervescência criativa do artista» (30), conceito e procedimento fundamental na procura e indagação das ideias artísticas e não apenas como um simples utensílio como tantas vezes é dado a entender.

Como assegura Sainz, um dos primeiros dicionários de arquitetura deve-se a Augustin-Charles d’Aviler (1653-1701) (31) que, no entanto, aparece mais tarde editado em 1755 com o título Dictionnaire d’architecture civile et hydraulique, et des arts qui en depend, corrigido e aumentado por Charles- Antoine Jombert. O respectivo dicionário reflete a ideia superficial de que o desenho não apresenta mais do que um instrumento de representação geométrica ou perspética do que se projetou.

O impulso gerado pelas academias serviu para que, no séc. XVII e até meados do séc. XVIII, se enunciassem outras definições, sobretudo através dos arquitetos racionalistas franceses, que, por sua vez, apresentavam definições com claro carácter filosófico. Portanto, até essa época, apesar dos conhecimentos sobre perspetiva se encontrarem codificados, continuava a não se considerar este sistema como uma parte integrante dos elementos projetuais. Só já em pleno séc. XVIII é que se começou a conceber a articulação do sistema ortogonal (planta, corte e alçado) com a perspetiva.

O aparecimento dos diferentes tratados de desenho e arquitetura desempenharam, por isso, um papel fundamental na forma de compreender e representar, tomando a representação gráfica, através da descrição espacial, como um processo mais universal e objectivo. Todavia, a articulação e associação dos diferentes sistemas de representação só se completou com o aparecimento da axonometria codificada.

A axonometria, como sistema, foi codificada completamente nos finais do séc. XVIII. Até então, ela fora usada de uma forma intuitiva, servindo como principal diretriz das posteriores formulações do desenho de arquitetura.

Os sistemas plenamente codificados deram-se com a publicação da “Geometria descritiva” em 1798, pelo matemático Gaspar Monge (1746-1818) (32). Todos os sistemas de projecção encontram-se aqui codificados — as projeções ortogonais, a perspetiva e as axonometrias —, acrescentando-se ainda a projeção oblíqua que veio resolver os problemas das sombras, própria e projetada, apresentadas de um modo também intuitivo.

Se entre artistas arquitetos já havia distinção sobre os diferentes modos de representação gráfica, a partir daqui, o desenho passa a ter duas vertentes bem definidas, uma denominada de desenho artístico (desenho à mão livre) e, outra, desenho rigoroso ou técnico (desenho executado com instrumentos de precisão), destinado não só à arquitetura mas a todas as áreas que passam a exigir um compromisso com o desenho técnico.

Segundo Sainz, a proposta que enuncia a solução mais aproximada aos dias de hoje, aparece já no início do séc. XIX com o arquiteto francês Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) (33), ao propor que os desenhos apareçam todos na mesma folha de trabalho, aportando como necessário que se apresente três desenhos para completar a ideia de um edifício, e com uma sequência diferente da que propunha Raffaello (planta/ alçado/ corte), passando a articular planta/ corte e alçado.

Uma vez que os desenhos se encontram na mesma folha, economiza-se tempo na sua elaboração e as correspondências entre traçados tornam-se mais imediatas. Durand articula em primeiro lugar a planta e o corte pelo facto de serem cortes interiores do edifício e, por último, o alçado, por se tratar do exterior.

A proposta de Durand introduziu profundas alterações, uma vez que, não foi só uma mudança da articulação dos sistemas de representação mas, como refere Lino Cabezas, uma transformação do próprio processo de composição. «”O mecanismo da composição” abandonará as referências aos tipos para basear-se numa quadrícula, a trama sobre a qual Durand mostra como se podem desenvolver alpendres, escadas ou pátios; o requisito prévio de um processo racional, segundo Durand, para poder se ocupar depois dos cortes e alçados» (34). Estas alterações produziram efeitos no modo de idealizar e conceber o espaço em planta, alterando racionalmente o processo de pensar e, ao mesmo tempo, dando início ao uso consciente daquilo a que podemos chamar de módulo.

Ainda no século XIX, o desenho de arquitetura deixou de se concretizar apenas por conceitos de representação ou de expressão passando a entrar num campo bem mais alargado: o da formalização e comunicação das ideias. A partir desta época a linguagem gráfica utilizada seria pura e simplesmente de carácter comunicativa e instrumental tentando não permitir qualquer ambiguidade na leitura. Como refere Sainz, «pela primeira vez põe-se em relevo a qualidade do desenho como transmissor dos raciocínios e intuições dos arquitetos» (35). Sendo criticado o uso de aguadas tanto em alçados como na perspetiva, por provocar efeitos que não são puramente descritivos, passa-se a considerar-se desenho de arquitetura aquele que transmite pela suas qualidades comunicativas as ideias arquitectónicas, deixando de parte qualquer registo expressivo.

Outro dado importante para a normalização do desenho arquitetónico é a questão da escala. Apesar de se conhecerem desenhos com uma escala atribuída desde o séc. XVI, sabe-se que «historicamente, as escalas terão sido um recurso culto, de que careciam os desenhos artesanais quase sempre realizados “a olho”. Por este motivo, os tratados terão tido a necessidade de justificar o seu conhecimento e funções» (36), Lino Cabezas explica como o conceito de escala gráfica, denominado muitas vezes ”pitipié” (do francês au petit pied), será algo sempre presente em todos os tratados de arquitetura a partir do séc. XVI, conceito a que alguns chamam escala, ou ainda, pequena vara.

Mas, a escala entendida como hoje a utilizamos, isto é, a regulação da mesma proporção para distintos desenhos de um mesmo projeto, só acontece no séc. XIX. As primeiras referências são lançadas por Eugène-Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879) (37), na 1ª edição do Dictionnaire raisonné, 1854-1868, estabelecendo que todas as partes do projeto apresentem as mesmas proporções entre si a partir do sistema métrico decimal. Mas, independentemente do sistema métrico utilizado, os desenhos com a mesma escala expandiram-se a toda a cultura ocidental contribuindo para uma consolidação mais precisa do desenho de arquitetura.

Esta breve resenha acerca dos sistemas de representação não faz mais do que relembrar práticas que se foram transformando a partir da herança clássica, como procura de sistematização das ideias e, consequentemente, do espaço arquitetónico. Como se pode verificar pela afirmação do arquiteto Sérgio Fernandez, «a presença da tradição clássica constitui elemento essencial para a construção da arquitetura que estruturaria um mundo ordenado e acessível» (38). A afirmação de Fernandez denota que, a arquitetura, ao longo do tempo assenta numa mesma ideia — a ordenação do espaço, fazendo parte do próprio processo construtivo como mecanismo de transmissão da experiência e do saber.

É neste sentido que a herança clássica tem um papel preponderante. Como sabemos, o legado de Vitrúvio é o grande impulso ordenador do Renascimento e, ao mesmo tempo, o representante de uma cultura que transmitiu experiências e saberes, mais ou menos, perdidas ou esquecidas pelo tempo.

Os artistas e arquitetos da cada época cedo souberam resgatar aquilo que Schaffer considerou o milagre grego, como lembra Gombrich em Arte e ilusão; sair do esquema habitual para passar a utilizar um sistema estrutural baseado na correção. Este foi o grande impulso na descoberta dos próprios sistemas de representação que, embora alguns fossem já utilizados de modo intuitivo, apoiaram sempre o caminho da ordenação do espaço e das ideias.

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